IG Luxo – Até onde vai a Gourmetização?
Mesmo usado em excesso e muitas vezes fora de contexto, termo que nasceu para indicar pessoas com paladar sofisticado, não deve desaparecer, mas ganhar novos significados
Difundido pelo gastrônomo francês Jean Anthelme Brillat-Savarin, no livro “Fisiologia do Gosto” (1825), o termo gourmet surgiu como substantivo para designar aquele que tem paladar apurado. Mas com uma ajudinha do marketing, transformou-se, no século 21, em substantivo ideal para classificar tudo aquilo que trouxesse alta qualidade, apresentação sofisticada e um diferencial criativo.
“Esta foi uma forma do mercado publicitário aproveitar o momento de espetáculo midiático vivenciado pela área da gastronomia, no qual chefs se tornaram estrelas, para vender produtos”, explica o professor Ricardo Maranhão, coordenador do Centro de Pesquisas em Gastronomia Brasileira da Universidade Anhembi Morumbi. Ou, como diz Luciana Stein, diretora de conteúdo da empresa de tendências Trendwatching na América Latina, “um recurso do mercado para transformar o que é mundano em algo mais luxuoso ou renovado”.
Daí a surgirem de varandas e supermercados, a margarina, água, carvão e até ração para cachorros com o rótulo foi um pulo. Em uma verdadeira “gourmetização” da vida, na qual brigadeiro de castanha-do-Pará, quindim de pistache, coxinha de galinha d’angola e pipoca com curry se tornaram frequente. Assim como as casas especializadas em variações de apenas um prato, seja bolo, éclair, pudim ou lasanha.
“As experiências são válidas e fazem parte da gastronomia, mas boa parte desaparece no turbilhão da incompetência”, afirma Maranhão. Para ele, tentativas de diferenciar alimentos simples como a pipoca “são ridículas”, assim como o próprio neologismo já usado em larga escala pelo público. “Vinte e um por cento dos produtos em geral, no Brasil, já se voltaram a esse conceito. É uma forma das empresas se diferenciarem no mercado e atingirem a grande massa compradora, que nos últimos anos teve mais acesso ao consumo e à informação”, afirma a consultora e professora da ESPM Gabriela Otto.
Mas por mais que muita gente já arrepie só de pensar no termo, não param de surgir novidades que surfam nessa onda. Caso do “bolovo” – salgado recheado com ovo cozido inteiro –, que recentemente ganhou versão com pesto de hortelã e massa de quibe, e da coxinha de panetone, que gerou reações diversas entre o público. Ou das inúmeras sorveterias artesanais com sabores antes impensáveis, como cerveja ou morango com vinagre balsâmico, da premiada Frida & Mina, pera com marrom glacê, da Geleé, ou chocolates de origem, da Bacio di Lattte.
Apesar de controverso, de acordo com Luciana, o termo gourmet não deve se esvaziar tão cedo, mesmo com a overdose do uso. “Ainda tem muita coisa a ser ‘gourmetizada’ pelo mercado”, garante. Segundo Gabriela, o conceito deve inclusive evoluir e adotar novos significados. “Características como sustentável, saudável, natural e voltado ao bem-estar poderão ser agregadas a esse entendimento e podem, com o tempo, até substituí-la, mas há uma sobrevida grande”, analisa a professora.
É de olho nesse próximo movimento que o consultor do mercado de luxo Carlos Ferreirinha decidiu apostar na sofisticação da popular marmita. Afinal, é preciso ter uma embalagem a altura para transportar a barrinha de cereais e a maçã gourmet. No início de dezembro ele e o sócio Carlos Otávio (ex-executivo do Cinemark) inauguraram em São Paulo a primeira BentoBox, loja especializada em embalagens diferenciadas para transportar comida. Algumas com design premiado e preços que vão de R$ 45 a R$ 300. “Não é o recipiente pelo recipiente, estamos apenas jogando luz em um hábito que não tinha prestígio, mas que tende a crescer”, diz Ferreirinha, certo de que mais do que buscar alimentos diferenciados, as pessoas passarão a ter mais consciência alimentar e escolherão em casa o que comer ao longo do dia.
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