Exame – Preço alto é ruim durante a crise? Não para essas empresas

ão Paulo – Época de crise é o momento para economizar, certo? Nem sempre. Durante uma recessão, os produtos menos afetados são aqueles que estão nos extremos: os muito baratos ou os muito caros, diz estudo da multinacional dunnhumby. Pensando nisso, algumas pequenas e médias empresas escolheram trabalhar com produtos de maior qualidade (e preço) e continuam crescendo, ainda que com desafios.

Segundo Haroldo Monteiro, coordenador da pós-graduação em Gestão Estratégica no Varejo no Ibmec/RJ, tanto as empresas do varejo usual quanto as do varejo de luxo sentem os efeitos da crise econômica. Mas a empresa que realmente segue uma estratégia de luxo se abala menos, focando nos seus valores – procedência, qualidade, herança cultural e exclusividade.

Para cultivar essas características, os negócios focam na percepção da marca e não apenas no produto em si, como faz o varejo usual. “Dentro do consumo na crise, as companhias mais estabelecidas são favorecidas: as pessoas preferem marcas atemporais, reconhecidas. Quem compra luxo não deixa de comprar: só compra menos”, afirma Gabriela Otto, professora de mercado de luxo na ESPM.

Mas isso também não significa que todos os clientes do negócio são fiéis. Enquanto os compradores entrantes (que são 44% do mercado de luxo, segundo Gabriela) fogem durante a época de vacas magras, os clientes fiéis continuam a adquirir os produtos-ícones. “Há um desejo forte das pessoas de alta renda, que conhecem a essência do luxo, por esse produto principal. É um dos que têm mais resistência à crise”, explica Monteiro.

Como é ser uma pequena empresa brasileira de luxo na prática? Veja, a seguir, três negócios que apostaram em produtos de alto padrão e suas estratégias para lidar com a crise econômica:

1. Ressaltar a solução, e não apenas o produto

A Kawthar, que comercializa semijoias e presentes corporativos de luxo, surgiu mais de uma oportunidade do que de um sonho pessoal do sócio Runa Ratz. Ele conheceu a sócia Helena Alam em uma galeria no bairro dos Jardins, em São Paulo. “O nome da marca era outro, mas ela vendia semijoias vindas do Oriente Médio, peças delicadas e exclusivas. Também fazia presentes corporativos de alto padrão e personalizados para cada empresa. Um negócio poderia avalancar o outro, conseguindo ter um mix de produtos”, conta Ratz.

Em outubro do ano passado, ele e Helena fecharam a parceria, com mudanças na marca e no local. A pequena loja de antes deu lugar a um ponto comercial amplo, que separou os dois tipos de produto nas lojas Kawthar by Helena Alam (de joias e semijoias) e Kawthar Concept (de presentes corporativos de luxo). O novo estabelecimento foi aberto há quatro meses e já faturou 500 mil reais. A previsão para o final do ano é acumular cerca de um milhão em faturamento.

Na parte corporativa, alguns dos produtos oferecidos são bolsas femininas e masculinas em couro (sintético ou não) e canetas com cobre, bronze, madrepérola e folheadas a ouro. “Nesse mercado de luxo, você tem maior liberdade de criar e desenvolver novos produtos, apoiando-se na exclusividade. É um segmento menos elástico, menos sujeito à crise”, afirma Ratz.

Ainda assim, a alta do dólar prejudicou o negócio, que importa diversos materiais. A Kawthar teve de aumentar ainda mais o preço, numa época em que os clientes corporativos cortam os gastos com presentes. A resposta para o obstáculo foi ressaltar as portas que a compra abriria. “A gente se reinventa: vendemos não só um produto, mas uma solução para relacionamento com o cliente, uma forma de fixar a marca da empresa. Ao invés de entregar dez mil canetas, ela pode escolher menos clientes e presentear de forma mais sofisticada”.

Outras estratégias são o fortalecimento de parceriais comerciais, a abertura de um e-commerce (com previsão para ainda neste mês) e também o oferecimento de um maior prazo de pagamento. “Vamos estender o prazo de pagamento de três meses para de seis a 12 meses. Estamos trabalhando nosso caixa para isso, diminuindo o impacto nos clientes”, afirma Ratz.

2. Mostrar os diferenciais que fazem o produto ser mais caro

Cristiano Winckler e Roberta de Mello se uniram para criar o e-commerceNetChairs em 2012, após perceberem a demanda por móveis de escritório de alto padrão. “Queríamos atacar um setor que exige exclusividade, justificando o porquê do produto ser mais caro. Os clientes costumam ficar satisfeitos com a qualidade, o que gera menos reclamação do que no varejo comum. A gente prefere ir por essa linha, até porque há mais rentabilidade, já que o ticket médio é mais alto”, diz Winckler.

No planejamento anual, os possíveis efeitos da crise já foram levados em consideração. “Para a gente, é um ano de crescimento. Estamos aumentando o investimento e diversificando o mix de produtos”, conta o empreendedor. O site começou com 14 itens e a projeção para o fim do ano é chegar a mais de 500, com um investimento no negócio estimado em 1,2 milhão de reais.

Ao longo dos últimos meses, o volume de vendas tem se mantido, mas a crise trouxe leves oscilações. “Nosso maior problema é o câmbio: temos de importar e reajustar o preço. Há uma pequena queda nas vendas”. Hoje, há uma média de 500 pedidos por mês, e a meta é dobrar o número mensal de pedidos até o fim de 2015.

Como estratégia para estabelecer a marca, a NetChairs destaca a procedência de seus produtos: o e-commerce trará móveis feitos com carvalho da Malásia e cadeiras ergonômicas da Coreia do Sul, por exemplo. “Se você tiver os diferenciais corretos e trouxer valor ao que é comercializado, você sente bem menos os efeitos do mercado. O cliente espera algo a mais para poder fazer a compra com segurança. É nesse momento que o produto premium se destaca: nosso produto tem mais qualidade, garantia e atendimento”, diz Winckler.

3. Manter um relacionamento impecável com os clientes

Ana Paula Casseb trabalhou por sete anos no Peixe Urbano, site de compra coletiva para serviços locais. Ela queria empreender, mas não sabia que tipo de negócio queria. A inspiração veio de um case dos Estados Unidos: o Rent the Runaway, que permite alugar itens de marcas de luxo. Assim nasceu o Dress4You Atelier, e-commerce para alugar vestidos de festa de grifes como Bobô, Daslu e Herve Leger, feito com a sócia Bárbara Brunca.

“No primeiro mês de empresa, foi um boom. Estamos no interior de São Paulo, onde há muita festa. Atendi um público de classe B até AA. Vi que estava perdendo muitos clientes porque eles queriam provar as roupas, então abri um ateliê em São José do Rio Preto. Hoje, muitas clientes vêm de outros estados para testar os vestidos”, conta Ana.

Agora, a Dress4You investe em licenciamento – a projeção é de chegar a 25 licenças até o fim deste ano. “A crise econômica potencializou meu mercado. Pelas mulheres não poderem comprar os vestidos, realizam seu sonho de usar uma peça de luxo com um custo viável. As pessoas estão mais educadas sobre o assunto: porque vou comprar, se posso alugar?”, diz Ana. Juntando e-commerce e ateliê, a média de vestidos alugados por mês é de 400, com um custo médio de 690 reais por peça.

Segundo a empreendedora, a estratégia para manter a expansão é fortalecer o atendimento. “A mulher não abre mão da vaidade, mesmo na crise. A demanda existe: o que diferencia é o preço acessível e o atendimento diferenciado. Fazemos esse relacionamento por ações pontuais. Lançaremos neste mês uma nova: se a cliente alugou um vestido nesse mês, ela tem um desconto progressivo nos próximos aluguéis, até bater uma porcentagem máxima”.

Publicado em Exame