17 de fevereiro de 2010

Voltar

O Complexo Mundo das Viagens Corporativas

Esse meu artigo foi publicado também no Hôtelier News. Leia AQUI.
=================================

 

O segmento de turismo presta cada vez mais atenção às viagens corporativas. E não é para menos, esse item pode representar a terceira maior despesa de uma empresa, depois da folha de pagamento e tecnologia.
Esse mercado já representa 58,32% do faturamento do turismo nacional, ou 29,95 bilhões de reais por ano, conforme o Índice de Viagens Corporativas (IEVC, 2008).
O discurso acima é de Viviânne Martins, Presidente da ABGEV (Associação Brasileira de Gestores de Eventos e Viagens – que incluiu a palavra “Eventos” em 2010), na introdução do seu livro chamado “Viagens Corporativas”, que lançará em breve com Eduardo Murad Jr., atual Gestor de Viagens da IBM.
Fundada em 2003, a ABGEV foi aceita no Grupo Mundial de Associações de Viagens de Negócios, Paragon Partnership, que é liderado pela renomada NBTA (National Business Travel Association), dos Estados Unidos, e mais 11 entidades. Juntas, gerenciam um budget aproximado de USD 150 bilhões e possuem mais de 4.300 Travel Managers (Gestores de Viagens).

Ao participar do 5º LACTTE (Encontro Latino Americano de Viagens Corporativas e Tecnologia), que ocorreu no Hotel Grand Hyatt de São Paulo dias 8 e 9 de Fevereiro desse ano, ouvi debates sobre o futuro das viagens corporativas. No complexo mundo de gestão de viagens, o evento já tornou-se referência.

A grande novidade ficou na tendência das empresas unificarem negociações de viagens e eventos, além da regionalização (América Latina) dessa área, possibilitando a divisão de melhores práticas.

 

Para quem quiser aprofundar-se no assunto, sugiro o livro “Eventos, uma alavanca de Negócios”, de Ricardo Souto Ferreira (VP Executivo do Grupo Alatur e Presidente da MPI Brazil Chapter) e Elizabeth Kyoko Wada (Docente de Turismo, Hotelaria e Hospitalidade, Presidente da ANPTUR e sócia da FerWA Strategic Planning). Além de extrema admiração (pessoal e profissional) pelos dois, escreveram com maestria “Como e por que implantar o PEGE (Programa Estratégico de Gestão de Eventos), conceito trazido dos Estados Unidos, onde chama-se SMMP (Strategic Meetings Management Program). Eventos tratados “caso a caso” nas empresas deixarão de existir. A gestão de eventos chegou para formalizar esse processo.

Não é a toa que a ABGEV, NBTA e MPI lançaram a primeira edição do bem sucedido SMEC-LA (Strategic Meetings & Events Conference – Latin America) em 2009 e já com data marcada para 2010. A indústria de eventos corporativos ainda vai dar o que falar. Ótima notícia para o Brasil, já que a ICCA (International Congress and Convention Association) lançou seu ranking anual em maio de 2009 e nosso país já ocupa o 7º lugar em número de eventos internacional, itinerantes, com periodicidade fixa e com, no mínimo, 50 participantes). São Paulo passou de 23º para 12º lugar no ranking mundial e segue na liderança da América Latina.

Mas o que define uma viagem corporativa ou de negócios?
A própria ABGEV já bem definiu como: “viagens individuais ou coletivas, feitas frequentemente por profissionais liberais, funcionários, terceiros ou convidados de empresas e pagas por um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPj), com objetivos profissionais ou decorrentes dos mesmos.

Exemplos: busca por novos negócios, manutenção de clientes, treinamentos, visita à sede da empresa de outra cidade, participação em eventos e reuniões de equipes.

 

 

Em 2009, a ACTE Global (Association of Corporate Travel Executives) definiu os 4 eixos estratégicos que os gestores de viagens (responsáveis por compras de viagens nas empresas) devem buscar:

 

1) Redução das despesas de viagens (Não entenda como redução de viagens, mas do custo do processo das mesmas)

2) Implementação de políticas mais restritivas de viagens (Com o objetivo de ter maior controle na gestão)

3) Implantação de um requerimento de aprovação pré viagem (Novamente para centralizar e controlar melhor as viagens)

4) Incentivo ao cumprimento das políticas de viagens (Os famosos “compliances”, que podem ser definidos pela aplicação da política de viagens (regras) da empresa e também a não aceitação de brindes de fornecedores, por exemplo).

Em um futuro próximo (que, para muitos, já chegou), os gestores de viagens estarão preocupados com:

• Impacto do desenvolvimento dos telefones móveis
• Uso de alternativas no processo de viagens
• Incremento da capacidade de consolidação de dados

E para isso, o que não falta é o surgimento diário de novos provedores de soluções que prometem otimizar o processo e reduzir custos operacionais.

Nesse complexo mundo da gestão de viagens corporativas, a posição do gestor de viagens dentro da empresa é vital. Fora alguns notáveis gestores que fizeram história na regulamentação e desenvolvimento da posição no mercado brasileiro, muitos são provenientes do Depto. de Compras ou Financeiro, sem nenhum conhecimento do mercado de viagens. Outros (poucos) provêm do segmento de turismo e demoram a adaptar-se ao seu novo ambiente corporativo. Para quem ainda não o “localizou”, esse executivo é aquele que diz para o vendedor hoteleiro que tenta agendar visitas com vários contatos na empresa: “Não precisa mais ficar o dia todo conversando com cada departamento da empresa para entender o processo de viagens, eu centralizo tudo agora.” De qualquer maneira, a ABGEV merece todo o mérito por ter como um de seus objetivo a formação desses profissionais.

Para eles, o suporte das suas agências de viagens ou TMCs (Travel Management Companies) é fundamental. Elas são uma evolução da agência de viagens corporativa. Sua meta é otimizar todo o processo de viagens corporativas, buscando a redução racional dos custos de viagens por meio de uma política que inclua procedimentos e ferramentas. Elas atuam com o “Management Fee” (taxa de gerenciamento), que é um modelo de relacionamento financeiro baseado no repasse de receitas provenientes dos fornecedores (cias.aéreas, hotéis e outros), e remuneração e reembolso de custos da agência.. Tal modelo pressupõe a demonstração de custos efetivos e taxa de percentual predefinida de lucratividade da agência e com o “Transaction Fee” (Taxa de Transação), que acontece por meio de taxa predefinida por transação ou tipo de transação. (Ferreira e Wada, 2010)

Essas agências também estão se reinventando para oferecer a melhor “solução” possível. Afinal, além de saberem que a expectativa dos clientes é muito além da “emissão de bilhetes”, o debate entre o contato do cliente (empresa) com o fornecedor direto (hotéis e cias aéreas, por exemplo) e o intermediário (TMC) vai continuar existindo.

De acordo com o relatório “CWT Vision – Tem Business Travel Trends for 2010” da Carlson Wagonlit, o segmento de viagens de negócios será impactado por 10 tendências em 2010. Abaixo comento as 4 que considerei mais importantes:

1) Empresas vão incrementar o foco no gerenciamento de demanda e diminuição de viagens
Reuniões presenciais continuarão sendo essenciais nos negócios, mas os gestores de viagens vão procurar, cada vez mais, por soluções criativas e com suporte tecnológico para conectar pessoas onde quer que estejam.

A vídeo conferência continuará a ter um lugar especial nesse mercado. Recentemente, uma empresa multinacional realizou sua convenção anual no formato digital e, ao invés de atingir mil colaboradores, falou diretamente com 25 mil.

 

2) Tecnologia continuará a melhorar a experiência de viagens

Dentre os conceitos principais, podemos citar o “self service”, “plug and play”, “one stop shop” e “mobile”.

Explico: o processo de viagens será mais e mais pulverizado com tecnologia que transforme o processo inteiro de viagem em uma experiência agradável. Exemplos: Mesmo em trânsito, o hóspede/passageiro faz seu próprio check in online, confirmação de conexões aéreas, realoca hotéis em caso de atrasos de vôos, etc.

Além disso, a adoção de ferramentas que facilitem o trabalho de gestão de viagens tende a aumentar muito. O STB (self-booking tool), ferramenta que permite que o próprio executivo faça sua reserva de hotel e vôo em uma espécie de intranet, já com todas as opções possíveis pré negociadas pela sua agência (e validadas pelo gestor de viagens da empresa), estarão acessíveis.

Um estudo global encomendado pela Amadeus e desenvolvido pelo Business Travel Research Centre da Universidade de Cranfield, revelou que o SBT pode proporcionar uma economia de 25% na gestão de viagens das empresas. Entretanto, 70% delas ainda não implementaram o sistema. Empresas com menos hierarquia e burocracia têm os maiores níveis de utilização de SBTs em 72%. Estas tendem a ser empresas mais pequenas com uma menor despesa anual em viagens (até 2,5 milhões de dólares). Empresas maiores que gastam entre 30 e 50 milhões de dólares ou mais têm 54% dos seus colaboradores a utilizar a SBT, enquanto que as médias empresas (despesa entre 5 e 10 milhões de dólares) apresentam o menor taxa de 39%.

Mesmo assim, a tendência é que empresas do segmento turístico continuem buscando um equilíbrio entre o humano e tecnológico.

 

3) Fornecedores continuarão buscando diminuir custos de distribuição.

Cias. Aéreas vão manter metas de redução de custos em distribuição, reduzir comissões e, em alguns casos, saírem totalmente dos GDSs (Global Distribution Systems). Aquelas que se manterem no GDS, vão impor um “opt-in fee” (taxa de entrada) para usuários (agências) que desejarem ter acesso ao total de seu inventário.

Além disso, a redução de custos (taxas) com cartão de crédito também se manterá, com cias. aéreas e hotéis incentivando ainda mais o uso de cartões de débito ou novas formas de pagamento. Isso abriu portas para que o segmento de cartões de crédito tenham um súbito interesse pela área de viagens corporativas. Totalmente compreensível.

 

 

4) Dynamic Pricing (Precificação dinâmica) dos hotéis vai decolar.

Teoricamente a idéia de oferecer a melhor tarifa disponível (Best available rate) ao cliente parece simples. Para entender a estratégia, imagine que, ao invés de negociar uma tarifa fixa anualmente, você oferecerá um percentual de desconto sobre a tarifa pública (não confunda com a Rack) do seu hotel, que flutuará conforme a demanda. Hotéis com a cultura de Revenue Management já bem implementada, podem variar suas tarifas públicas várias vezes ao dia.

Mas os clientes corporativos ainda não estão convencidos de que vão “sempre” ter o melhor preço, que pode, algumas vezes, ser maior do que sua tarifa negociada. Entretanto, muitos esquecem do quanto isso pode simplificar o processo de RFP (request for proposal – solicitação de proposta, também conhecido como BID).

Em um evento que participei nos Estados Unidos, durante um workshop com fornecedores, intermediários e clientes na mesma sala, foi perguntado quais hotéis aplicavam “dynamic pricing” para contratos corporativos. Todos levantaram a mão. Quando a pergunta sobre quem comprava “dynamic pricing” foi feita, ninguém levantou a mão. A pergunta é: para quem esses hotéis estão vendendo? Fato é que o debate está quente lá na terra do Tio Sam.
Quando perguntei sobre o tema para alguns clientes durante uma sessão educacional no Lactte, a resposta foi a esperada: “Que é bom para os hotéis é óbvio. Mas me convença que minha empresa também sairá ganhando, e mudamos sem problemas a negociação.”

A conclusão é clara: No Brasil, a hotelaria ainda não trabalha consistentemente com Revenue Management, a famosa Lei da Oferta e Demanda não nos favorece e os próprios hoteleiros ainda não compraram totalmente a idéia dos preços dinâmicos por puro medo de perder clientes.

Para ilustrar isso, surgiu o debate no LACTTE sobre a possibilidade do segmento de turismo (fornecedores e intermediários) ser “commodities”. Após o choque inicial com o tema, infelizmente, entendi que, para os clientes, o assunto é tratado sem surpresa. Uma boa parte da hotelaria (principalmente dentro do segmento Midscale, já que hotéis econômicos e de luxo conseguem se posicionar muito mais facilmente) é tratada pelo mercado como tal.

Por conceito, commodity é um produto sem alto grau de diferenciação, com pouco ou nenhum valor agregado, comprados em grande quantidade e com preço determinado pelo volume (“quem dá menos, leva”).

Em uma época onde os processos de RFPs / BIDs estão cada vez mais mecanizados e (os absurdos) leilões eletrônicos ganham terreno, mesmo tendo convicção que estamos longe de sermos commodities, é importante entender que muitos clientes não conseguem enxergar os altos investimentos no posicionamento das marcas hoteleiras.

É fundamental conhecer o processo de compra desses clientes.
Entre de cabeça nesse complexo mundo das viagens corporativas e lembre-se que a essência de uma negociação é o “ganha-ganha” (afinal, estamos falando de negócios e TODOS envolvidos precisam ter lucro).
Se você acha que seu hotel não é commodity, posicione-se dessa forma!

Bons Negócios!

Voltar